Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande

Reflexões dos fatos e números do agro em junho e o que acompanhar em julho

Na economia mundial e brasileira, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou o mês de maio com alta de 0,23%, um valor abaixo do previsto, sendo 0,38 p.p. inferior ao registrado em abril, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual atingiu o menor nível desde agosto de 2020, salvo as deflações ocasionadas em meados de 2022 pela desoneração de impostos sobre os combustíveis. O acumulado nos 5 primeiros meses do ano foi de 2,95%, enquanto nos últimos 12 meses alcançou 3,94%.

Já as previsões econômicas divulgadas pelo Banco Central por meio do Boletim Focus, em 19 de junho, indicam um IPCA de 5,12% (baixa em relação ao mês passado) para 2023 e 4,00% (queda) em 2024. Para o Produto Interno Bruto (PIB), o órgão estima um crescimento de 2,14% (alta mensal) neste ano e, em contrapartida, um avanço menor para 2024 de 1,20% (baixa). O câmbio deve encerrar 2023 em R$ 5,00 (baixa), e 2024 em R$ 5,10 (queda). Por último, para a taxa Selic a perspectiva é de 12,25% ao final deste ano e 9,50% no fim de 2024, queda em ambos os períodos na comparação com a previsão do mês anterior. As alterações nas previsões para a economia vieram após o anuncio de crescimento do Produto Interno Brasileiro (PIB) acima das expectativas do mercado no 1º trimestre: 1,9%. O resultado foi puxado pelo grande crescimento do setor agropecuário, de 21,6% no período.

No agro mundial e brasileiro, o Índice de Preços dos Alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) alcançou uma média de 124,3 pontos em maio, configurando queda de 2,6% no comparativo com abril e redução de 22,1% em relação ao recorde histórico de março do ano passado. Essa pontuação é a mais baixa em 2 anos (desde abril de 2021). A retração foi puxada principalmente pela queda significativa nos preços dos óleos vegetais, laticínios e grande parte dos cereais. O último, recuou 4,8% em relação a abril, liderado pela baixa expressiva de 9,8% no milho por conta das previsões favoráveis à produção, demanda mais tímida e cancelamentos de compras chinesas do cereal americano. Além disso, as cotações do trigo caíram 3,5% em função da extensão da Iniciativa de Grãos do Mar Negro. Esses números superaram as altas do açúcar (5,5%), arroz e carnes (1,0%).

Na previsão de junho (2ª) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção global de milho em 2023/24 foi revista para cima em 3,15 milhões de t: de 1,219 bilhão em maio para 1,222 bilhão agora em junho. A alta é justificada, principalmente, pela revisão dos números da Ucrânia, de 22,0 (maio) para 24,5 (junho) milhões de t. Demais países de importância global permanecerem com os mesmos valores: EUA deve produzir 387,5 milhões de t (+11,2%); China, 380,0 milhões de t (+1,0%); Brasil com 129,0 milhões de t (-2,3%); e Argentina com 54,0 milhões de t (+54,3%). Com o crescimento na produção, os estoques foram também revistos para cima, agora estimados em 314,0 milhões de t; 1,0 milhão de t a mais que o mês passado e crescimento de 5,5% na comparação com a safra anterior.

Ainda sobre o milho, vale destacar que o USDA reviu para cima a oferta do cereal na safra 2022/23 no Brasil, ainda em andamento. A nova previsão é de 132,0 milhões de t neste ciclo, alta de 13,8% ou 16 milhões de t adicionais na comparação com 2021/22.

Na soja, o USDA estimou uma produção global praticamente igual à do mês passado para 2023/24: 410,7 milhões de t, apenas 115 mil t maior do que a estimativa de maio e 11,1% superior ao ciclo anterior. Brasil segue com 163,0 milhões de t (+ 4,5%), seguido de Estados Unidos com 122,7 milhões de t (+ 5,5%) e Argentina com 48,0 milhões de t (+ 92,0%); todos eles sem alteração deste o último relatório. Já os estoques globais da oleaginosa foram revistos para cima em 842 mil t e estão agora apontados em 123,3 milhões de t, 21,7% maior do que 2022/23 ou 22,0 milhões de t adicionais.

No algodão, uma leve alta na estimativa da produção global: estava em 25,189 milhões de t (maio) e foi a 25,413 milhões de t (junho). Se confirmada, a produção será apenas 0,3% superior do ciclo passado, configurando uma relativa estabilidade na oferta. Segundo o USDA, China, Índia e Estados Unidos (os três principais produtores) devem produzir 5,88 (- 12,0%), 5,55 (+ 2,0%) e 3,59 (+ 14,0%) milhões de t, respectivamente. No Brasil, a produção foi revista para cima em 224 mil t este mês, e agora deve ser de 1,29 milhões de t, alta expressiva de 51,4%. Estoques finais devem permanecer praticamente no mesmo patamar de 2022/23, em 20,20 milhões de t.

Nos Estados Unidos, após alguns dias sem chuvas em regiões produtoras, as condições das lavouras de grãos começam a chamar a atenção. No milho, até 18 de junho, as condições excelentes estavam em 8,0% (era de 13,0% há um ano) e boas em 47,0% (2022: 57,0%). Na soja, 7,0% estavam em nível excelente (2022: 10,0%) e 47,0% em bom (2022: 57,0%). Já as lavouras de algodão se encontram em evolução melhor: 6,0% em condições excelentes (2022: 4,0%) e 41,0% em boas (2022: 36,0%). O acompanhamento é também do USDA. Permanecendo o problema com o clima, é bem provável que ocorram perdas; vamos acompanhar!

Ainda no cenário internacional, a explosão da barragem da usina de Kakhovka, na Ucrânia, pode ter impacto duradouro na produção agrícola do país. Milhões de t de grãos podem ser perdidos pelas inundações e, ainda, cerca de 500 mil ha de terras ficaram sem irrigação, o que vai afetar diretamente os rendimentos. Além disso, a destruição impediu a navegação em importante rota de exportação agrícola.

No Brasil, o relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para o mês de junho aponta um novo recorde de produção para a safra 2022/23 de grãos em 315,8 milhões de t. Esse volume representa aumento de 15,8% frente à temporada anterior, são 43,2 milhões de t a mais. A projeção da área cultivada é 4,8% maior neste ciclo ou 3,6 milhões de ha superior, resultando em um total de 78,1 milhões de ha. O destaque de maior crescimento vai para a soja com 155,7 milhões de t (+24%) ou 30,2 milhões de t acima do colhido em 2021/22.

No milho, o cenário não é diferente, a projeção é de 125,7 milhões de t (+11,1%) nas 3 safras ou 12,6 milhões de t a mais, sendo 27,1 milhões de t já praticamente colhidos na 1ª safra, 96,3 na 2ª safra que está em fase inicial de colheita e 2,3 na 3ª safra. Em ambos os casos, as boas condições climáticas e o bom pacote tecnológico contribuíram para os resultados. Para o algodão, a colheita da pluma é estimada em 2,98 milhões de t, 16,6% maior se comparada às 2,55 milhões de t colhidas no ciclo anterior.

O Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) elevou a projeção para a safra 2022/23 de milho no estado para 48,99 milhões de t (ante os 47 milhões de t previstos em maio), um novo recorde. Em relação a temporada anterior, o crescimento é de 11,74%. A melhor distribuição das chuvas, o grande volume de plantio dentro da janela ideal e o consequente aumento de produtividade foram os principais fatores que contribuíram para o ajuste positivo. O Mato Grosso passa a ser maior que a Argentina!

Em relação as culturas de inverno, a Companhia estima uma produção de aproximadamente 11,5 milhões de t, sendo 7,4% menor que os 12,4 milhões de t alcançados na temporada 2021/22. Os holofotes apontam para o trigo com um crescimento de 9,7% em área que deve resultar em uma produção de 9,8 milhões de t (-7,4%). É notável o aumento de área em quase todas as culturas desse segmento, no entanto, existe uma expectativa de redução na produtividade para todos os cultivos e, consequentemente, na produção, isto por conta da confirmação do fenômeno climático El Niño, que costuma causar chuvas acima da média na região Sul.

Falando no assunto, a confirmação da ocorrência de El Niño no Brasil tem preocupado. Segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos, a probabilidade de ocorrer um evento moderado é de 84% e forte de 56% (chances elevadas na última análise). O fenômeno provoca alterações climáticas de maneira bastante heterogênea. No Brasil, a região Sul do país experimenta precipitação abundante, chuvas intensas e elevações nos níveis de temperatura. Já a faixa norte das regiões Norte e Nordeste é atingida por secas e, consequentemente, elevações nos números de incêndios florestais.

Na última divulgação da Conab (12/06) sobre as fenologias das lavouras, o algodão estava com 14,9% do cultivo em formação de maçãs; 84,2% já em fase de maturação e apenas com 0,9% colhido (contra 1,6% no ciclo passado), sendo a Bahia e Mato Grosso do Sul os estados mais avançados. Já as lavouras de milho 2ª safra estão com 1,7% do total colhido (Mato Grosso despontando na frente), enquanto na safra 2021/22 esse volume atingia 4,9% do total, isso porque as chuvas no início do plantio podem ter atrapalhado as atividades em algumas regiões produtoras, mas apesar do atraso, o rendimento e a qualidade dos grãos são satisfatórios. Os estádios fenológicos estão com 1,7% em desenvolvimento vegetativo, 8,9% em floração, 40,4% em enchimento de grãos e 47,3% em maturação. Por fim, as operações de colheita do trigo ainda não iniciaram, mas o cultivo em campo está com 46,9% da área semeada, praticamente no mesmo patamar do ano passado.

Em maio, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 16,78 bilhões, alta de 11,2% no comparativo com o mesmo mês de 2022 e uma participação de 50,8% em tudo o que foi vendido pelo Brasil neste mês. Para os resultados em volumes, os destaques positivos foram a soja em grãos com 15,6 milhões de t (+ 46,5%), e o açúcar com 2,41 milhões de t (+ 54,2%). Já os negativos foram o milho, que registrou apenas 382 mil t embarcadas (- 64,8%) – resultado do baixo estoque gerado pela venda externa elevada em meses anteriores – e para a categoria “madeira e suas obras’’, que embarcou 721 mil t (-28,2%).

O top 5 das categorias com maior receita tem, na liderança, o “complexo soja” com US$ 9,89 bilhões (+ 21,2%), dos quais a soja em grão responde por 82,2% ou US$ 8,13 bilhões (+ 22,9%). Na segunda posição aparecem as “carnes” com receita de US$ 2,10 bilhões (- 5,4%), dos quais: a carne bovina vendeu US$ 952 milhões (- 11,8%); a de frango US$ 854 milhões; e a de porco com US$ 249 milhões (+ 24,1%). Em terceiro, ficaram os “produtos florestais”, com receita de US$ 1,24 bilhão (- 20,8%), seguido do “complexo sucroalcooleiro” (4º) que somou US$ 1,21 bilhão (+ 81,2%), dos quais US$ 1,14 bilhão advém das vendas de açúcar. Por fim, na quinta posição apareceu o café, que há meses não ficava entre os 5 principais produtos embarcados. O estimulante registrou receita de US$ 604 milhões, baixa mensal de 5,2%.

Do outro lado da balança comercial, as importações do setor somaram US$ 1,38 bilhões em maio (- 8,7%), o que possibilitou um saldo mensal de US$ 15,4 bilhões. No acumulado de 2023 (janeiro a maio), o agro brasileiro já vendeu US$ 67,3 bilhões (+ 5,8%) e importou US$ 7,08 bilhões (+ 7,2%), o que resulta em um saldo acumulado de US$ 60,2 bilhões até o momento (+5,6%).

O Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária para 2023 foi estimado em R$ 1,179 trilhão em junho, 3,8% acima do verificado em 2022 (R$ 1,135 trilhão), mas com queda de R$ 36 bilhões em relação a maio, devido à redução nos preços de vários produtos. Do total, a produção agrícola (lavouras) deve obter um faturamento de R$ 835,5 bilhões (+6,3% que o ano passado) e a pecuária, R$ 343,8 bilhões (-1,85%). A maior protagonista é a soja, que representa 29,3% do total, seguida do milho (12,9%), cana-de-açúcar (9,0%) e café (4,4%). Na pecuária, os bovinos (11,7%) e a carne de frango (7,5%) lideram na participação, mas ao mesmo tempo, foram os que mais contribuíram para a retração do segmento, com quedas de -7,3% e -6,0% respectivamente.

Na área sanitária, até o fechamento da nossa coluna, 39 casos de gripe aviária haviam sido confirmados no Brasil segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A doença aparece com maior intensidade no Espírito Santo, mas estados como a Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul também registraram casos, felizmente apenas em aves silvestres. Por conta disso, o Brasil é reconhecido como país livre da doença no exterior, uma vez que as granjas comerciais não foram atingidas.

As obras da Ferrovia Norte-Sul – sistema ferroviário que conecta os portos de Itaqui (MA) ao de Santos (SP) – foram concluídas após mais de 35 anos. Os estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, grandes produtores de commodities agrícolas, vão se beneficiar ganhando competividade logística para exportar seus produtos seja pelo litoral da Região Sudeste ou pelo Norte do Brasil. 

Finalizando a nossa análise do agronegócio, na sequência, apresentamos os preços dos principais produtos na data de fechamento da nossa coluna. Na soja, a cotação para entrega em cooperativa do estado de São Paulo (FOB) estava em R$ 132,30/sc (60kg) e o futuro em R$ 122,60/sc para mar/2024. No milho, o preço físico era de R$ 55,50/sc e o futuro (FOB) estava em R$ 56,30/sc para ago/2023. Já o milho na B3 (Bolsa Brasileira) era negociado a R$ 71,70/sc para mar/2024. O algodão (base Esalq) estava em R$ 135,01/@ e o sorgo físico fechou em R$ 44,00/sc. Outros preços do agro, de acordo com o Cepea/Esalq, estavam em: boi gordo, R$ 252,95/@; o café arábica em R$ 901,57/sc (60kg); o trigo Paraná em R$ 1.377,99/t; e a laranja para indústria (a prazo) em R$ 43,50/cx (40,8kg).

Os cinco fatos do agro para acompanhar em julho são:

Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP, em Ribeirão Preto, e da FGV, em São Paulo, especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).

Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, mestrando em Administração de Organizações pela FEA-RP/USP e especialista em comunicação estratégica no agronegócio.

Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.