José Carlos de Lima Júnior (sócio-diretor da Markestrat)            jclima@markestrat.com.br

Há duas maneiras de se analisar esse conflito. Uma, pela ótica do (i) Reordenamento das forças mundiais. O outro, como esse conflito se (ii) Desdobra no Brasil, principalmente no agronegócio.

Reordenamento mundial.

A invasão da Ucrânia pela Rússia começou no dia 21 de fevereiro, momento em que Moscou reconheceu duas regiões na Ucrânia (Luhansk e Donetsk) como “nações independentes”, uma vez que estas eram dominadas por separatistas russos. Essa data chama atenção por ser no dia seguinte ao término dos Jogos de Inverno de Pequim, encerrados na véspera, dia 20 de fevereiro.

Portanto, há um evidente alinhamento entre Rússia e China, se apenas se confirma com o posicionamento de Pequim com as retaliações sugeridas pela OTAN. Importante destacar que esses dois países têm algumas situações bem mais favoráveis do que Europa, Alemanha, Reino Unido ou Estados Unidos.

A Rússia tem uma reserva de dólares estimada em US$ 700 bilhões e endividamento interno de apenas 18% do PIB. Portanto, possui uma menor dependência de capital estrangeiro, o que permitiria suportar sanções econômicas. Por outro lado, a China, sua evidente alinhada, é a segunda maior economia do mundo, detentora da maior reserva de Dívidas da Europa e EUA, proprietária de uma reserva cambial estimada em mais de US$ 3,2 trilhões e base da cadeia de suprimentos mundiais.

Por outro lado, a Europa convive com alta inflação e atritos culturais internos, que podem gestar a implosão do Euro e da própria comunidade europeia, considerando os movimentos nacionalistas que crescem ano após ano (exemplo ideal é o Brexit). A Alemanha, maior economia do bloco, tem um governo recém-eleito que substitui uma primeira-ministra que comandou o país por 16 anos (Angela Merkel), alta dependência do gás natural russo e uma crescente inflação em alimentos e energia, que corrói o poder de

compra dos alemães. O Reino Unido pós Brexit convive com alto custo de mão de obra e inflação desde a sua saída da CCE. Os EUA têm inflação de 7% ao ano, a maior desde os anos de 1980, alto endividamento público e necessidade de aumento na taxa de juro.

Assim, comparativamente, Putin se mostra um estrategista por duas razões alvo: alta dependência da Europa das fontes de energia russa (carvão, petróleo e gás natural). Petróleo disparando, Rússia ganha novamente.

Ainda que o mundo venha a impor sanções econômicas à Rússia, que possam chegar e paralisar ao fluxo de mercadorias entre os países adeptos, essa sanção terá dois lados. A da Rússia e dos países envolvidos nas sanções, entre eles o Brasil, que precisará adotar/escolher um lado.

Desdobramentos no Brasil e Agro.

Há alguns impactos visíveis.

O primeiro, sob a perspectiva da Oferta de produtos da Rússia, o petróleo tende a disparar, impactando ainda mais a inflação na Europa e resto do mundo.

Por outro lado, o conflito acontece às vésperas em que o produtor planeja a safra 2022/23. Assim, os produtos comercializados pelas Rússia precisam ser observados em separado, com atenção a participação desse país na Cadeia de Suprimentos de cada agroindústria.

1. Oferta de Insumos

Fertilizantes: a Rússia é um grande parceiro para garantir o abastecimento mundial, frente a alta demanda por fertilizantes e com as restrições econômicas da China. A expansão agrícola depende dos insumos Russos em boa parte, pelo motivo de suas indústrias já estarem em operação.

Potássio: a Rússia corresponde a 29% e a sua aliada Bielorrússia por outros 19% da necessidade brasileira;

Fosfatados: a Rússia representa 30% da demanda do Brasil;

Nitrogenados: com o aumento do gás natural, nitrogenados serão fortemente afetados. No caso da ureia, a representatividade Russa é de 19%. Em paralelo, o nitrato de amônio tem participação de 99% dos Russos;

2. Oferta de Commodities Agrícola (Alimentos)

Milho: A Ucrânia é o 4º maior exportador mundial de milho com estimativas de 33,5 mm toneladas (USDA). A região em acontece os conflitos tem produção agrícola de cereais e pecuária, além de ser base de indústria químicas;

Trigo: No caso de uma invasão e de um embargo extremo retaliatório à Rússia e à Ucrânia ocupada, o mercado internacional será privado do maior e terceiro maior exportador de trigo do mundo (sem contar a UE como um bloco). Em um tempo relativamente curto, uma enorme quantidade de trigo poderia ser removida do mercado internacional. A Rússia está exportando 35mm toneladas e Ucrânia 24mm toneladas na atual temporada. O combinado de 59mm toneladas equivale a 29% das exportações globais. Portanto, aumento nos preços dessa commodity;

Nutrição Animal deve ficar cara, puxando os preços da proteína animal.

Agora o detalhe que mínimos citam, mas que precisa ser considerado. Supondo que as sanções econômicas cheguem no estágio de retaliar compras e vendas de mercadorias, fechando o fluxo de comércio, o Brasil precisará escolher a posição de ser favorável ou contra o embargo/sanções. Nesse caso, produtos exportados do agro para a Rússia (soja, carne, amendoim e açúcar) precisarão ser redirecionados para outro mercado. No entanto, o peso das importações do Brasil a partir da Rússia, com Fertilizantes, precisa ser considerado. E é aqui que reside, no meu entender, uma situação problema que pode impactar os custos de produção na safra 2022.

Por fim, igualmente me preocupa quando eu vejo a mudança nas rotas dos aviões comerciais, porque há, do outro lado, uma mudança de rota nos navios comerciais, que já cancelam rotas que passam pelo Mar Negro. Atraso em suprimentos pode acontecer, piorando a cadeia de suprimentos mundiais, além dos próprios custos de produção, que já vivem uma inflação nos custos de capital (que deve se agravar com aumento na taxa de juros).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: atenção na cadeia de suprimentos dos seus produtos. Entrar com pedidos de última hora é um risco que a pandemia mostrou ser arriscada. Em cenário de conflito no país fornecedor, esse risco assume dimensões bem arriscadas. Gestão de Risco em cadeia de suprimentos e financeiro é a orientação nesse momento.

Coincidências históricas que espero que não ocorram                             

 O início desse conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, em plena pandemia da COVID-19, e que pode se tornar sim um estopim para toda Europa e mundo, traz uma coincidência curiosa. A pandemia do vírus Influenza (Gripe Espanhola), aconteceu em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial. Assim, o mundo já teve um conflito bélico durante uma pandemia.               

Uma outra curiosidade é que a crise de 1929, que foi a quebra da Bolsa nos EUA, fez a economia mundial derreter e só se recuperou a partir de 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial.